A praça Tiradentes abriga a Catedral da cidade, cuja primeira edificação remonta os primeiros tempos do povoado até o século XVIII. No século XVIII, diversas reformas se sucederam, sempre morosas e inconvenientes para o andamento das atividades religiosas e também para as reuniões da câmara de vereadores, que utilizavam do local para os seus trabalhos. Em 1799, o vigário da época solicitou que a catedral fosse demolida e reconstruída. Contudo, já em 1825, a nova construção já necessitava de reparos e, ao longo do século XIX, outras reformas aconteceram, culminando na maior delas, a do final deste mesmo século, uma grande reconstrução. A edificação antes desta obra é apresentada na imagem de 1870.
Esta reconstrução teve início em 1880, ficando pronta em 1893. Contudo, há muita polêmica envolvendo o responsável pela obra (o mestre de obras Henrique Henning) e o pároco local.
Engelhart Heinrich Christian Henning, em português Ângelo Henrigue Cristiano Henning, ou simplesmente, Henrique Henning, nasceu na cidade de Plön (região controlada pela Dinamarca e depois pela Prússia, atualmente Alemanha), estudou em Kiel, capital desta mesma região. Eram três irmãos: Engelhart, Ferdnand e Theodoro. Em 1858, Henrique Henning, estudava arquitetura em Kiel, foi passar natal e ano novo com a família em Plön e certo dia, enquanto conversava, gravou seu nome com canivete na casca de uma árvore. Os amigos o criticaram, não deveria fazer tal coisa, pois poderia ser punido pela prefeitura, pois na cidade havia poucas árvores e esta fazia parte do plantio simétrico da prefeitura.
Por tal ato, após reunir a família, o patriarca deu sua sentença considerando a importância em viver em comunidade e dever respeitar os bens públicos, a punição dada a Henrique foi deixar o país com o irmão Theodoro, que iria embarcar em breve para a América.
Em 1859, embarcaram em Hamburgo, quando Henrique Henning tinha 21 anos de idade. Ao total, 123 imigrantes no veleiro “Anna”, em uma travessia que durou 63 dias, nos quais houve o nascimento de duas crianças a bordo e uma morte. A chegada foi em São Francisco do Sul, no dia 24 de junho. Logo após a chegada, Henrique e o irmão foram para Joinville, na época, chamada Colônia Dona Francisca. Nesta cidade em 1861, Henrique Henning se casou com Anna Dorothea Magdalena Koll, de 16 anos na época. Alguns anos depois, trabalharam os dois irmãos na construção da Estrada Dona Francisca (estrada que liga Joinville a São Bento do Sul). Após a construção da estrada, se instalaram em São Bento do Sul e por lá pouco ficaram, dados incidentes com bugres envolvendo outros moradores, o que fez com que fossem para Rio Negro, já passava 15 anos desde a chegada dos irmãos ao Brasil.
Em Rio Negro, os irmãos trabalhavam na construção de casas. Em 1979, resolveram se mudar para Curitiba, dada à informação da construção da estrada de ferro ligando Curitiba e Paranaguá. O convite viera do engenheiro Carl Gotlieb Wieland, com quem trabalharam na estrada da Dona Francisca. Henrique comprou uma casa com bom terreno na Rua Pedro Ivo, e com os ganhos do seu trabalho construía mais casas no terreno e alugava.
Os irmãos fiscalizaram as obras da Santa Casa de Misericórdia e ajudaram a construir o Teatro São Theodoro, além de diversas construções particulares. Henrique ganhou muito respeito na construção civil, tendo ocupado a cadeira de arquitetura na Escola de Artes e Ofícios do professor Antônio Mariano de Lima, instalada em Curitiba, em 1886, no local onde hoje é o Museu de Arte Contemporânea (Rua Desembargador Westphalen).
Em 1876, iniciou-se a reforma da Igreja Matriz de Curitiba, que apresentava grandes rachaduras. Em uma solenidade, as imagens sacras foram levadas à igreja do Rosário, que ficou de matriz durante a reforma. Em 1886, dada a demora na reforma, Henrique Henning assumiu a chefia das obras, tendo que refazer as paredes laterais que estavam rachadas e, além disso, mudou o quadro de funcionários da obra, priorizando membros da colônia alemã, por conhecimentos de construção e aplicação ao trabalho. Com isso, a obra ganhou um contexto curioso, já que o templo católico era construído por protestantes, de fé luterana, que ao longo da semana trabalhavam no templo católico e, no domingo, frequentavam a igreja Luterana.
Durante o andamento da obra, houve uma desavença financeira entre Henrique Henning e o Padre Alberto Gonçalves. Com isso, o desgaste de relações ficou grande e, próximo de sua conclusão, Henrique e sua equipe deixaram a obra por falta de pagamento. Ainda assim, a igreja foi reinaugurada no dia 7 de setembro de 1893.
A Curitiba do final do século XIX vivia em um contexto de guerra dada a revolução federalista, que colocava em posições opostas os pica-paus (florianistas) e os maragatos (as tropas de Gumercindo Saraiva), Curitiba vivia dias de grande apreensão. Este conflito ocorreu entre 1893 e 1895, sendo seu palco, o sul do Brasil e resultando em um total de 10 mil mortos.
Tratava-se de uma luta de separatistas gaúchos versus defensores da República vigente, sendo separatistas, os Maragatos liderados por Gumercindo Saraiva, que se aproximavam de Curitiba no início de 1894, depois de já terem tomado conta de outras cidades. No dia 16 de janeiro deste mesmo ano, o então presidente da província, Vicente Machado escreveu para a população sobre a invasão em cidades próximas, garantindo que resistiria até o esgotamento completo, como nas palavras dele “[…] não recuarei diante de medida alguma por mais severa que seja, por mais que ela aperte e dilacere meu coração.” Apesar da promessa, no dia 18 de janeiro, Vicente Machado transferiu a administração da província do Paraná para Castro, levando consigo, família e protegidos, após isso, retirou-se para São Paulo.
Para buscar manter a ordem, montou-se uma Junta Governativa do Comércio, chefiada por Idelfonso Pereira Correia, o Barão do Serro Azul. No dia 18 de janeiro, começaram a entrar as tropas rebeldes, com cerca de 450 homens, que ocuparam Curitiba sem encontrar resistência. Após a invasão de Curitiba, os federalistas planejavam invadir São Paulo. Na cidade, pressionavam o Barão do Cerro Azul por apoio financeiro e este, temendo saques e mortes, articulou um apoio financeiro como forma de proteger a cidade.
Em abril do mesmo ano, os federalistas se enfraqueceram, perderam o controle no Desterro (atual Florianópolis) e as tropas florianistas seguiam em direção a Curitiba de forma lenta, evitando a batalha. No final de abril, as tropas federalistas haviam desaparecido. O líder federalista, Gumercindo Saraiva foi morto meses depois, no Rio Grande do Sul, entre São Francisco e Santo Ângelo, após uma perseguição que contava com mais de 4000 homens.
No dia 04 de maio, as tropas “legalistas” tinham novamente o controle da cidade, e assim, voltaram os que haviam fugido, dentre os quais Vicente Machado, que foi recebido como herói. Vários dos que haviam aplaudido Gumercindo agora aplaudiam Vicente. O decreto de Vicente Machado foi paralisar o tribunal de justiça. No dia 8 de maio, foi detido o Barão do Serro Azul, e o teatro São Teodoro serviu de prisão. No dia 20 de maio de 1894, por volta das 21:00 horas, o Barão do Serro Azul e seus companheiros de infortúnio foram levados para a estação ferroviária e, de lá, foram embarcados com destino a Paranaguá, na expectativa de serem julgados no Rio de Janeiro. Contudo, entre os quilômetros 64 e 65, os prisioneiros, entre eles o Barão, foram fuzilados e jogados no desfiladeiro alcunhado de “Pico do diabo”.
Esse era o contexto do final do século XIX, da Curitiba onde vivia Henrique Henning. No dia 21 de janeiro de 1894, Henning encontrou o Padre Alberto Gonçalves e lhe cobrou a dívida, obtendo do mesmo uma negativa sobre os atrasados, o que levou Henrique a agredir o Padre.
No dia 22 junho de 1894, a mando de Vicente Machado, o matador Diamiro Furquim foi até às terras da família Henning na região Assunguy (atual Cerro Azul) e, o convenceu a ir para Curitiba, com a desculpa de que o mestre deveria dar esclarecimentos sobre a existência de sua arma para a polícia. No caminho, com três tiros, Diamiro Furquim, tirou a vida do mestre de obras Henrique Henning.
A imagem abaixo apresenta a foto da família Henning anos após o assassinato de Henrique Henning.
Todo este contexto envolvendo a reconstrução da catedral de Curitiba, ao final do século XIX, estava inserido em um período de complexidade muito maior pelo qual a cidade passou, envolvendo a revolução federalista e suas consequências.